Desertificação já atinge uma área de 230 mil km² no Nordeste
Mapeamento feito por satélite feito pelo Laboratório de
Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de
Alagoas lança alerta para o fenômeno
Como se não bastasse a falta de chuvas, o Brasil vê se alastrar no Nordeste um
fenômeno ainda mais grave: a desidratação do solo a tal ponto que, em última
instância, pode torná-lo imprestável. Um novo mapeamento feito por satélite
pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da
Universidade Federal de Alagoas (Lapis), que cruzou dados de presença de
vegetação com índices de precipitação ao longo dos últimos 25 anos, até abril
passado, mostra que a região tem hoje 230 mil km² de terras atingidas de forma
grave ou muito grave pelo fenômeno.
A área degradada ou em alto risco de degradação é maior do que o estado do
Ceará. Hoje, o Ministério do Meio Ambiente reconhece quatro núcleos de
desertificação no semiárido brasileiro. Somados, os núcleos de Irauçuba (CE),
Gilbués (PI), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE) atingem 18.177 km² e afetam 399
mil pessoas.
Num artigo assinado por cinco pesquisadores do Instituto Nacional do Semiárido
(Insa), do Ministério da Ciência e Tecnologia, são listados seis núcleos, o que
aumenta a área em estado mais avançado de desertificação para 55.236 km²,
afetando 750 mil brasileiros.
Os dois núcleos identificados pelos pesquisadores do Insa são o do Sertão do
São Francisco, na Bahia, e o do Cariris Velhos, na Paraíba, estado que tem
54,88% de seu território classificado em alto nível de desertificação.
Trata-se de um prolongamento que une o núcleo do Seridó à microrregião de
Patos, passando pela dos Cariris Velhos. Apenas na microrregião de Patos,
74,99% das terras estão em alto nível de desertificação, segundo dados do
Programa Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca
da Paraíba.
- A degradação do solo é um processo silencioso – afirma Humberto Barbosa,
professor do Instituto de Ciências Atmosféricas e coordenador do Lapis,
responsável pelo estudo. – No monitoramento por satélite fica evidente que as
áreas onde o solo e a vegetação não respondem mais às chuvas estão mais
extensas. Em condições normais, a vegetação da Caatinga brota entre 11 e 15
dias depois da chuva. Nestas áreas, não importa o quanto chova, a vegetação não
responde, não brota mais.
Estão em áreas mapeadas como críticas de desertificação municípios como
Petrolina, em Pernambuco, que tem mais de 290 mil habitantes, e Paulo Afonso,
na Bahia, com 108 mil moradores. Barbosa explica que a desertificação é um
processo longo e a seca agrava a situação. Segundo ele, em alguns casos, a
situação é difícil de reverter.
Na Bahia, numa extensão de 300 mil km² no Sertão do São Francisco, os solos já
não conseguem reter água. Na região de Rodelas, no Norte do estado, formou-se,
a partir dos anos 80, o deserto de Surubabel.
Numa área de 4 km², ergueram-se dunas de até 5 metros de altura. Segundo
pesquisadores, a área foi abandonada depois da criação da barragem da
hidrelétrica de Itaparica, usada para o pastoreio indiscriminado de caprinos e,
por fim, desmatada. O solo virou areia. O rio, que era estreito, ficou largo, e
o grande espelho d’água deixou caminho livre para o vento.
- Não existe dúvida de que o processo de degradação ambiental é grave e continua
aumentando – desabafa Aldrin Martin Perez, coordenador de pesquisas do Insa. –
A população aumentou, o consumo aumentou. Há consequências políticas, sociais e
ambientais. Se falassem do problema de um banco, todos estariam unidos para
salvá-lo. Como não é, não estão nem aí.
No Sul do Piauí, onde fica o núcleo de Gilbués, são 15 os municípios atingidos.
Nos sete em situação mais grave, segundo dados do governo do estado, a
desertificação atinge 45% do território de cada um.
Em Gilbués, uma fazenda modelo implantada pelo governo do estado conseguiu
recuperar o solo e fazer florescer milho. Todos os anos se comemora ali a festa
do milho, mas a experiência de recuperação é limitada. Hoje, 10,95% das terras
do Sul do estado apresentam graus variados de desertificação.
Em Alagoas, estudos apontam que 62% dos municípios apresentam áreas em processo
de desertificação, sendo os níveis mais graves registrados nos municípios de
Ouro Branco, Maravilha, Inhapi, Senador Rui Palmeira, Carneiros, Pariconha,
Água Branca e Delmiro Gouveia.
A cobertura florestal do estado é tão baixa que Francisco Campello, responsável
pelo programa de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente,
chegou a dizer que, se fosse uma propriedade, Alagoas não teria os 20% de
reserva legal.
Degradação intensa
A seca no Nordeste sempre existiu. O que está em jogo agora não é só a falta de
chuva, mas a degeneração da terra. O solo frágil exige preservação da vegetação
de caatinga e técnicas de manejo, inclusive de pastoreio.
Mas 30% da energia consumida no Nordeste vem da lenha, e o que queima é a mata
nativa. Segundo relatório do governo do Rio Grande do Norte, que divide com a
Paraíba o núcleo de desertificação do Seridó, além da retirada de lenha, a
degradação vem do desmate para abrir espaço para agricultura, pecuária,
mineração e extração de argila do leito de rios para abastecer a indústria de
cerâmica.
Ao comparar estudos de 1982 e 2010, os especialistas chegaram à conclusão que
se passaram 28 anos de intensa degradação sem que a situação se alterasse. A
indústria de cerâmica segue como principal fonte de renda e emprego.
Pelo menos 104 empresas competem pela argila para fabricar telhas e tijolos.
Dos seis municípios do Núcleo de Desertificação, cinco fazem parte do Polo
Ceramista do Seridó e abrigam 59 empresas do setor.
- O Brasil ainda trata a seca como se fosse o Zimbábue ou outros países muito
pobres da África – afirma Barbosa. – Isso não é aceitável. Temos pesquisa,
técnicas e ferramentas para evitar que a degradação aconteça. Os políticos
tratam a seca em ciclos de quatro anos, que é a duração de seus mandatos. Se
nada acontecer, as pessoas dos municípios atingidos pela desertificação vão
migrar para grandes centros, gerando outros problemas.
Em Gilbués, as crateras abertas no solo, conhecida como voçorocas, compõem uma
paisagem chocante. Mas os locais onde não surgem fendas na terra expostas são
ainda mais preocupantes.
Ano após ano, as pessoas não percebem que a vida do solo está se esvaindo.
Somente ao cavar fendas é que se percebe que o solo está cada vez mais raso e a
camada de vida, que são os 5 cm mais próximos à superfície, está mais estreita
ou quase inexiste.
A perda de fertilidade se alastra também por parte de Minas Gerais e por áreas
do Rio Grande do Sul, onde há o fenômeno denominado arenização – não é
desertificação porque esta pressupõe escassez de chuva e aridez, o que não
ocorre por lá.
Em Minas, a área de maior risco envolve 69 mil km² em 59 municípios no Norte,
Jequitinhonha e Mucuri. Em documento entregue ao Ministério do Meio Ambiente, o
governo de Minas calculou em R$ 1,29 bilhão o custo de projetos de prevenção.
- O problema é que os solos estão sendo compactados – diz Afrânio Righes,
ex-chefe do Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais, do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) e professor de engenharia ambiental do Centro
Universitário Franciscano (Unifra), em Santa Maria (RS). – O solo já não age
como uma esponja, absorvendo a chuva. Com o plantio direto, sem aragem da
terra, e o uso de grandes máquinas na lavoura, a água não infiltra, escorre
sobre a superfície e se perde. Os impactos da estiagem aumentam, porque há
pouca água acumulada na terra. Por isso, é preciso cavar sulcos na terra, a
cada 10 metros, para forçar a infiltração. Como não existe máquina adequada
para isso, os agricultores não o fazem.
Em Minas, vegetação e terra sofrem com queimadas frequentes, destruição de
matas que protegem nascentes, assoreamento de rios e até irrigação, que capta
água em excesso, comprometendo cursos d’água e causando salinização do solo.
No Rio Grande do Sul, a ânsia de unir criação de gado e plantio de soja, em
busca de lucros maiores, saturou o solo na região de Alegrete, resultando na
arenização. Sobrou o “deserto de São João”.
- O solo não era propício para a soja e a camada orgânica se foi em pouco tempo
– explica Righes. – Ficou areia pura e, com o vento, ela não parava de avançar.
A solução encontrada pelos gaúchos para barrar o deserto surgido nos pampas foi
plantar eucalipto no entorno da área, criando uma cortina de contenção dos
ventos.
- A mudança climática tem peso importante nos processos de desertificação –
afirma Manuel Otero, representante do Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura (IICA). – Mudou a sequência e intensidade das chuvas. Há
menos água disponível. E mais degradação ambiental significa mais pobreza.
Para Otero, a boa notícia é que o ciclo vicioso pode ser quebrado. Com apoio da
União Europeia, o instituto levou para o município de Irauçuba técnicas e ações
para impedir que a desertificação se alastre. O coordenador de Recursos
Naturais e Adaptação às Mudanças Climáticas do IICA, Gertjan Beekman, afirma
que técnicas simples, como barramento da água, já deram resultado no município
de Canindé.
- Nascentes que estavam secas oito anos atrás ressurgiram – comemora Beekman. –
Isso mostra que é possível reverter esse processo.
Na Argentina, 70% a 80% da superfície do país são vulneráveis à desertificação,
principalmente ao Norte. No Brasil, toda a região do semiárido é considerada
área suscetível. Segundo Perez, do Insa, não existe um único modelo ou
indicador padronizado para determinar a extensão das terras em processo de
desertificação no país.
- Não há no Brasil monitoramento sistêmico, apenas estudos pontuais – diz o
pesquisador. – A sensibilização não é algo imediato. É preciso estimular as
pessoas a olharem com outro olhar e reconstruir a memória intergeracional. A
própria sede da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação
dos Efeitos das Secas fica na Alemanha, onde não há o problema.
(Cleide Carvalho / O Globo)
fonte:
http://oglobo.globo.com/amanha/desertificacao-ja-atinge-uma-area-de-230-mil-km-no-nordeste-8969806#ixzz2YeOVnplc
http://oglobo.globo.com/amanha/desertificacao-ja-atinge-uma-area-de-230-mil-km-no-nordeste-8969806#ixzz2YeOVnplc
Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4765.
EcoDebate, 11/07/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário