É
uma falácia pensar em desenvolvimento sustentável, quando governos só buscam
“crescimento anual” tendo como principal indicador o Produto Interno Bruto
enquanto a sociedade continua ávida por consumo.
A sociedade vive a
verdadeira hipocrisia do “desenvolvimento sustentável”. São manifestações
diárias em todos os lugares. Conferências pra cá, conferências pra lá. A última
vitrine foi a Rio + 20, conferência que reuniu lideres das potências econômicas
do mundo no Brasil. Divulgava-se que a discussão da reunião oficial deveria
respaldar-se no tripé econômico, social e ambiental, tripé esse contestado
pelos ambientalistas, que segundo seus argumentos, serviria como pano de fundo
dos países desenvolvidos para desviar a atenção da discussão do problema que
realmente interessa: as mudanças climáticas.
Nos momentos que
antecedem uma conferência desse porte, o que vem como tema mais angustiante é a
avaliação do passivo ambiental, isto é, do quanto se prometeu executar durante
a realização da Eco 92, a primeira destas conferências, e do quanto se deixou de
realizar até o presente. E o balanço é sempre significativamente negativo.
Quase nada do que os governos assumiram ha 20 anos como compromisso em suas
agendas saiu do papel. E olha que essas agendas quando referendadas, já saem
contestada pela sociedade civil e as ONGs que realizam sempre uma conferência
paralela não oficial, mesmo não tendo efeito deliberativo.
Na verdade espera-se
muito dessas lideranças em relação às atitudes que devem ser tomadas, frente às
medidas políticas e econômicas para mitigar os problemas que afetam o meio
ambiente. Espera-se muito de lideranças que – com exceções – chegaram ao poder
financiadas exatamente por grandes grupos econômicos, cujos interesses são
muito mais o lucro imediato que as causas ambientais. Então as atitudes se
materializam muito mais em um jogo de marketing para justificar um pseudo
interesse, que realmente na condição política de colocar em prática as medidas
necessárias.
Não creio que mudanças
ocorram enquanto a sociedade civil delegar apenas aos governantes a
responsabilidade da aplicação das medidas necessárias. É contraditório exigir
dos governos atitudes politicamente corretas, quando a sociedade caminha na
contramão do desenvolvimento sustentável, alimentando um mercado como
consumidores compulsivos. Como discutir sustentabilidade se governos – regra
geral – buscam crescimento econômico anual e a sociedade é ávida por consumo.
O homem “moderno” já
nasce com um passivo ambiental de fazer inveja a uma criança do século XIX.
Antes mesmo de nascer o consumo já se concretiza com a preparação de um enxoval
– necessário mais para satisfazer a vaidade dos pais, que as necessidades do
bebê – que inclui berço dos mais simples aos mais sofisticados, protetor de
berço feito de tecidos e plásticos, cortinados, roupinhas, algumas não usadas e
outras usadas uma única vez, sapatinhos, mamadeiras, banheiras, carrinhos
de passeio, brinquedos, chiqueirinho, andajá, enfim uma parafernália de tecidos
e plásticos que ao final de alguns meses não tem mais serventia. Um verdadeiro
“batismo” para o consumismo.
A criança cresce e o
consumo cresce junto. São roupas, sapatos, brinquedos, tudo da grife da moda.
Tanto consumo que para satisfação dos pais a parafernália de brinquedos e
roupas não cabe nas dependências em que as crianças dormem. Tão logo as
crianças dominem a linguagem escrita começa o consumo de eletrônicos. São
celulares seguido de celulares, notebooks, netbooks, tabletes, videogames, TV
LCD, outros. Mais o consumo de cosméticos, pois as crianças de hoje são
diferentes, necessitam maquiar suas belezas ingênuas, pela imitação da garota
propaganda da televisão.
Na escola a criança
manifesta seu “poder econômico” pelo celular ou netbook que exibe, pela mochila
de seu “herói” preferido, pela maquiagem, pela lancheira e pelo lanche que
consome, pelo modelo e ano do carro do papai que o leva para a escola. Os
livros que antes eram reutilizáveis, hoje só servem para um ano. A mochila que
a criança carrega é estufada por tantos livros e material que chega a
prejudicar sua coluna vertebral. Há exigência de uniformes para as aulas
normais e uniformes para aulas de atividade físicas. A lista de materiais
“didáticos” é interminável e não se sabe em que atividades as crianças consomem
tanto material.
Hoje, se a família
dispõe de recursos, quando o adolescente ingressa no curso superior recebe de
presente dos pais o primeiro carro, que passa a ser atualizado anualmente,
sempre por um modelo mais possante. Nesta fase desponta outro mercado de
consumo. De roupas e tênis de grife, pois o jovem “moderno” não pode de ser
diferente de sua tribo quando for as baladas da noite. Para o lazer vem a
prancha de surfe, a motonáutica, o parapendi e muitos outros esportes da moda.
As famílias de hoje
renovam suas casas em finais de anos alternados. No passado geladeiras, fogões
eram feitos para durar até dezenas de anos. Hoje os eletrodomésticos da “linha
branca” são quase descartáveis. No ramo da informática a reposição é ainda mais
drástica. A obsolescência da tecnologia ocorre a cada três meses com o lançamento
de um novo modelo e o descarte em média ocorre em um ano. As famílias de melhor
poder aquisitivo para manter o carro atualizado trocam-no pelo modelo do ano. O
estímulo ao consumo torna-se oficial com a redução de impostos, pois o
argumento é de que a economia deve estar sempre em crescimento. Referências
foram feitas as famílias que dispõem de poder aquisitivo. Paradoxalmente no
outro extremo a realidade é cruel. Muitas famílias sem teto, sem alimentos, sem
escolas, sem hospitais e milhões de crianças vítimas da mortalidade infantil.
Nas cidades o
crescimento desordenado inviabiliza o planejamento da logística de transporte.
O deslocamento longitudinal (centro e periferia), predominante na maioria das
grandes cidades provoca um verdadeiro caos no trânsito. Ônibus se deslocam
lotados até o centro e retornam vazios nos horários de início de trabalho e
escola. No término do expediente a situação se inverte. Enquanto isso
engarrafamentos quilométricos são provocados por veículos particulares, transportando
apenas o condutor, deslocando-se a média de 2 km por hora. Não há ciclovias
para estimular o transporte mais sustentável. É um desperdício colossal de
energia e tempo. No final do ano os indicadores que marcam o “crescimento da
economia” é o recorde de venda de automóveis em detrimento do aumento da
logística de transportes coletivos.
Os estados para
continuarem crescendo fazem investimento em infraestrutura e moradia a fim de
gerar emprego e renda. Enquanto verdadeiras cidades fantasmas ocupam o litoral
brasileiro, com residências de praias ocupadas eventualmente uma a duas vezes
por ano. O governo federal tem necessidade de investir em logística para
produção de mais energia a fim de manter o “crescimento”, em hidrelétricas,
termoelétrica, centrais eólicas e outros, pois não há atividade econômica sem
energia disponível. Muitas dessas obras são realizadas sem levar em conta os
verdadeiros impactos ambientais que provocam.
Fala-se com ênfase em
reciclagem. A moda pegou com tanta magnitude que a China transformou-se no
maior centro de reciclagem do mundo. Neste país o lixo de quase todo o mundo é
transformado em novos produtos, promovendo o sonho de consumo de novos
poluidores em diferentes mercados do planeta, com toneladas de produtos
pirateados e contrabandeados. Desconsidera-se que na reciclagem, alguns
processos consomem mais energia que na produção de primeiro ciclo. Configura-se
aqui o ciclo do pecado e da penitência, em que as grandes corporações fazem
suas jogadas de marketing para enganar a opinião pública com suas “políticas de
sustentabilidade”.
No mundo todo se
desestabiliza a pequena produção de alimentos, aquela que nas feiras livres
comercializa seus produtos diretamente com os consumidores e é responsável pelo
abastecimento de mais de 70% do mercado. Em todas as regiões do mundo a
expansão do “agronegócio” expulsa agricultores familiares rumo à periferia das
cidades, provocando êxodo permanente que impossibilita as prefeituras de
concluírem seus planejamentos anuais sempre deficitários. Crescentes
problemas de saneamento, energia elétrica, saúde pública e moradia são os
grandes desafios dos governos municipais em todo o país.
O “agronegócio” ocupando
o espaço geográfico necessita de mais tratores, implementos, fertilizantes,
corretivos, combustíveis, insumos altamente dependentes de energia na sua
produção. A logística de distribuição de alimentos com este modelo é de
desperdício de energia. O queijo parmesão produzido no Pará é triturado em São
Paulo, recebe uma marca e código de barra e retorna aos supermercados de Belém.
A madeira serrada no interior do Pará vai a Santa Catarina, transforma-se em
móveis e volta para a exposição e comercialização em lojas de Belém. São
milhares de quilômetros de vai-e-vem das matérias primas desde sua exploração
até o consumo final. Sem falar das commodities que aqui são produzidas e
exportadas, transformadas nos países desenvolvidos e retornam como produtos
acabados aos mercados nacionais. A globalização é na verdade um grande mercado
de desperdício de energia ao redor do planeta. A poluição e a destruição do
meio ambiente equivalem em termos globais a uma verdadeira hecatombe nuclear.
São minas abandonadas com rejeitos tóxicos contaminando o solo e a água,
poluição dos mares e rios, lixões a céu aberto, desmatamento de florestas e uma
nova forma de poluição ainda não quantificada que é a das profundezas da Terra,
com atividades que vão desde explosões para mineração e prospecção de petróleo
até testes nucleares.
Finalmente não é
possível responsabilizar somente governos por essa mudança altamente
necessária. Tudo passa por um comportamento de mercado e mercado somos todos
nós. Somente com a conscientização e sensibilização da sociedade como (não)
consumidora é que essa realidade pode mudar. A indústria tem que reverter
seus conceitos e planejar bens cada vez mais duráveis, acondicionados em
embalagens biodegradáveis. Destinar a reciclagem apenas aos minerais e outros
materiais cujo balanço energético se justifique. Buscar as tecnologias para
produção de veículos e eletrodomésticos cada vez mais poupadoras de energia. O
transporte coletivo tem que ser prioritário quanto a investimentos e na
ocupação das vias urbanas em relação ao transporte particular. A produção de
alimentos tem que ser incentivada cada vez mais próxima do consumo e pela
inclusão de mais atores para gerar emprego e renda. Neste contexto deve estar o
grande mercado para as ONGs, difundir a educação ambiental em todo o mundo. É
uma falácia pensar em desenvolvimento sustentável, quando governos buscam
“crescimento anual” tendo como principal indicador o Produto Interno Bruto
enquanto a sociedade continua ávida por consumo.
Raimundo
Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental
EcoDebate, 06/09/2013
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